Por Eloise Zannette
O ano é 1934. Getúlio Vargas é
eleito presidente do Brasil por mais quatro anos;
a Itália de Mussolini é
campeã da Copa do Mundo; Carlos Drummond de
Andrade escreve o “Brejo das
Almas”, e, no dia 15 de novembro, nascia mais uma
filha de seu João Santin e
Dona Adele: Brunilda Santin.
A cidade é Gaurama, no
interior do Rio Grande do sul. Gaurama não
acompanhava a evolução das artes plásticas, o
movimento modernista e não era
afetada pela constituição de Vargas. Em 1934 quase
tudo que se aprendia e ensinava
não estava nos livros, não se ouvia na rádio, na
televisão e muito menos na
internet.
Ainda mais em Gaurama,
que na época nem Gaurama era, que na verdade
nem era cidade... Era um distrito de Erechim,
chamado Barro (ouvi dizer o nome
era por causa de um banhado que havia na região).
Brunilda nasceu e cresceu
em uma colônia no interior do povoado de
Barro.
Com esforço frequentou a
escola que ficava a mais ou menos cinco
quilômetros de sua casa. E é claro que não tinha
ônibus ou metrô... Era na raça
mesmo, a pé.
Segundo Glória, irmã e
grande companheira de Dona Bruna (e que por
sinal fala igualzinho a Nona Bruna!), o mais
terrível era o frio. Glória conta
que elas acordavam bem cedo para ir à escola e que
em certo ponto do caminho
elas paravam e faziam um “foguinho” para esquentar
os pés. Quando finalmente
chegavam elas tinham ainda que dar satisfação ao
professor Quirino, que não
gostava nem um pouco de vê-las atrasadas.
Logo que cresceram
tiveram que ir trabalhar na roça, pegar no arado,
no pesado mesmo. Dona Glória conta rindo
que uma vez ela e a irmã pegaram os bois para
buscar uma carroçada de abóboras.
Quando elas estavam voltando, a roda da carroça
passou em cima de uma pedra e
derrubou a carroça. As abóboras rolaram todas
morro abaixo...Algumas até para
dentro do rio. Quando Glória viu o que tinha
acontecido, sentou em uma pedra e
começou a rir. Olhou para o lado e viu Bruna
chorando, desesperada. “Mas Bruna,
por que tu ta chorando?”
E ela blasfemava...
“Porco Dio, tu não ta vendo as abóboras tudo no
chon?”
“Mas enton a gente desce
e pega as abóboras de novo, porca mandona!”
Dos bailes de moça ao baile de casamento
Dona Bruna nunca fez o
tipo santinha. Era boa moça, mas não era boba.
Gostava mesmo era de um bom baile e de namorar
bastante. Nos bailes da Linha
Sete e no Leão da Serra, em Gaurama, ela e Glória
dançavam até cansar... Cada
uma com seu paquerinha do momento. Glória conta
que era lindo de se ver os
casais todos arrumados, as meninas em suas saias
godês, com buclês nos cabelos,
tudo como mandava o figurino dos anos 50. Quando o
baile acabava, elas pegavam
carona com o Anildo, que tinha um caminhão
pau-de-arara, e eles iam todos em
baixo da lona, todos os casais, namorando no
escurinho do caminhão... E como
devia chacoalhar aquele caminhão, ein?!
Bruna conheceu o seu
Anildo Zanette ainda menina. Ele morava apenas a
“uma estação de trem” da casa delas. Mas eles só
começaram o namorico na época
dos bailes. E os dois dançavam juntos até onde as
pernas aguentavam!
Quando a Bruna já tinha
uns 16, 17 anos, ela e a Glória, que é um
pouco mais nova, foram trabalhar no hospital da
cidade, o Hospital Santa
Isabel, que era, e é até hoje, comandado por
freiras. Bruna trabalhava na
farmácia do hospital e a Glória na copa, cuidando
da comida dos doentes. “A
Bruna tava sempre no avental branco dela e era a
respeitada Dona Bruna e eu
ficava separando comida de doente! O pior é que de
noite ela ainda ganhava
chocolate da Madre!”, conta aos risos, mas ainda
meio indignada, Dona Glória.
Quando a madre superiora
faleceu, as outras freiras deram uma grande
missão às duas irmãs. Elas seriam os anjos da
madre. Anjos mesmo, mas não no
sentido figurado... Elas tiveram que vestir roupas
de anjo e ficar plantadas ao
lado caixão, velando a madre a noite inteira!
“Bruna... o sono tá pegando...
nós vamos fazer o que aqui do lado dessa morta?
Brunilda trabalhou no
hospital até se casar com seu Anildo, que por
sinal era um dos rapazes mais bonitos de um dos
melhores partidos das
redondezas (mas também, vamos combinar, o cara
tinha um caminhão e era
charmosão! De boba, Bruna não tinha nada...)
O mais novo casal de
Gaurama foi morar em uma casa muito bonitinha na
cidade e foi nela que nasceram o Vitor e o
Eduardo. Depois eles mudaram para
uma outra casa onde os outros 4 filhos nasceram: o
João, o Carlos, a Sandra e a
Sílvia.
“Me leve ao paraíso
ou me deixe no
Paraná...”
E aí o sossego acabou!
Cuidar de seis filhos devia ser bem mais
difícil que o trabalho na farmácia do hospital!
E já não bastasse o
trabalho, o Nilo (como era chamado seu Anildo),
teve uns problemas na prefeitura de Gaurama, onde
ele trabalhava. Esse parece
ter sido o principal motivo para que a família
aceitasse o desafio de mudar
para Pato Branco, no Paraná, para tentar uma vida
nova, tocando um restaurante.
(Na verdade, eu sempre quis acreditar que eles
saíram do Rio Grande porque o
Nilo tinha problemas com a ditadura... Que era um
famoso perseguido político ou
algo do gênero. Mas cada um acredita na versão que
quiser, né?!)
Em Pato Branco as coisas
não foram muito bem e logo surgiu a
oportunidade para cuidar de um restaurante em
Guarapuava. E aí não precisa
falar mais nada, né?! Hoje Guarapuava conhece Dona
Bruna e a respeita porque
conhece seu trabalho. E quem não conhece, pelo
menos sabe que a comida é uma
delícia e isso já é um bom motivo para se
respeitar uma italianona como ela!
O sotaque italiano forte,
o sorriso gostoso e a simpatia fizeram com
que as pessoas se sentissem em casa no restaurante
Zanette e fez com que Dona
Bruna fizesse muitos bons amigos. Hoje, Dona
Bruna, seus filhos e netos são “filhos”
de Guarapuava, mas sem nunca esquecer da terra
linda de Gaurama e com muito
orgulho de ter os pés no Rio Grande do Sul.
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